Derrubando muros invisíveis

Passados mais de 30 anos da queda do muro de Berlim, há ainda muros a serem construídos mesmo debaixo dos nossos narizes e tantos outros com os quais continuamos a chocar, a bater com a cabeça. Por isso, muitas vezes avançamos na direção errada, ou então sentamo-nos, com as mãos na cabeça, impotentes.

Texto: Patrícia Pedrosa

 

Alguns destes muros conseguimos vê-los claramente à nossa frente, só não sabemos como deitá-los abaixo. Alguns são invisíveis para nós e, no entanto, impedem-nos de chegar aonde queremos.

 

Sara

Eu conheci a Sara há uns anos. Ela era uma excelente profissional, cheia de confiança, racional, com uma grande capacidade de liderança. Tinha um enorme desafio à sua frente – a reestruturação da sua organização, a necessidade de «injetar» e desenvolver talento e novas capacidades funcionais, de agilizar e melhorar processos. A Sara já tinha uma visão clara do que tinha de ser feito e um plano detalhado de como lá chegar. Ela até já estava a dar passos importantes nessa direção.

Mas em cada passo que dava, ia de encontro a um muro que não tinha previsto: um dos stakeholders não estava totalmente alinhado com o seu plano e o chefe estava a testar a sua capacidade de gerir este tipo de transformação sem a apoiar ao longo do processo.

Ela estava a avançar sozinha, totalmente convencida de que esta era a direção certa e assumindo que tinha a confiança e o apoio dos principais interessados para andar com o projeto para a frente. Ela estava frustrada por não conseguir avançar como pretendia e por não se sentir reconhecida pela sua chefia pelo seu enorme esforço para levar a transformação a bom porto.

A realidade é que ela não via o muro que tinha sido construído à sua frente. Esse foi o primeiro passo para a apoiar: ajudá-la a ter consciência desse muro. Não podemos derrubar muros que não vemos.

Existem outros muros que são ainda mais difíceis de ver e que não são necessariamente mais fáceis de derrubar: os muros que construímos à frente de nós próprios. Alguns estão relacionados com falta de competências, falta de capacidade, falta de vontade, e há ainda aqueles que construímos por medo. Em processo de coaching, vemos frequentemente o muro do medo que se ergueu em frente do coachee, enquanto ouvimos, «descascamos, desatamos, e desafiamos» as crenças, os mindsets, os sentimentos e as preocupações partilhadas pelo coachee. Conseguimos ver como o medo por vezes torna os coachees reféns deles próprios e torna-se necessária uma «negociação de resgate».

 

Ken

O Ken era um dos responsáveis máximos por uma multinacional, acumulando 25 anos de experiência em diferentes funções comerciais. Ele era muito instruído, muito experiente, apaixonado, cheio de energia e ambição, enfrentando sempre a vida e o trabalho com uma atitude positiva, focando-se em encontrar soluções, construir pontes entre as diferentes funções e alimentar as suas relações profissionais. No entanto, ele não era assertivo quando comunicava, nem quando tomava decisões, porque tinha medo de cometer erros que poderiam levá-lo a perder o emprego. Ele sentiu que estava a perder credibilidade e respeito. Estava perdido e com medo. Além disso, o seu chefe reforçava constantemente este ciclo negativo: pressionava-o diariamente, considerava-o um líder fraco, dizia-lhe que os outros lhe ganhavam sempre e instruindo-o em relação ao que ele tinha que fazer se quisesse manter o emprego. Ele sentia-se frustrado e humilhado, mas também empenhado em mudar o seu comportamento e ser mais assertivo com os seus stakeholders para reconquistar respeito e credibilidade. Estava a esforçar-se e a bater constantemente com a cabeça no seu muro, o de um chefe que «brincava» com o seu medo, o medo de perder o emprego. A maioria das pessoas tem medo de ser despedida, de perder a sua fonte de rendimento e de sustento das suas famílias, de prejudicar a sua carreira, a sua reputação, o seu próprio orgulho e, sobretudo, de perder o respeito dos outros, dos seus filhos, da sua mulher ou do seu marido, dos seus pais.

Perder o emprego é uma das mudanças mais impactantes na vida das pessoas. Por isso, o medo de perder o trabalho é comum à maior parte das pessoas e completamente legítimo. Mas podemos libertar-nos desse medo. Aliás, precisamos de nos libertar desse medo, sob pena de sermos líderes fracos, amedrontados e constrangidos. É preciso eliminar o medo para dar asas ao potencial e ao desempenho.

O primeiro passo é escalar o muro do medo e olhar bem para como é estar do outro lado. O que seria diferente se não tivesse medo de ser despedido? Como me sentiria? Quanto melhoraria como profissional? Quanto melhoraria a minha vida? O que é preciso para me libertar deste medo? Qual é o meu plano? E seguir numa maravilhosa caminhada de reflexão que revela possibilidades e gera escolhas conscientes.

O coaching oferece a oportunidade de descobrir o que realmente queremos, de enfrentar a realidade, de vermos os muros à nossa frente, de expulsar o medo e acolher a possibilidade. O coaching proporciona o ambiente e aplica a metodologia para se refletir com qualidade, para desafiar com segurança as nossas próprias premissas, para olharmos confortavelmente para nós mesmos e confrontarmo-nos com as questões que levarão às respostas que procuramos. Para fazer escolhas mais informadas e conscientes e para nos impulsionar a agir em conformidade.

 

 

»»» Patrícia Pedrosa, executive coach, é membro do Comité de Investigação e Pesquisa da ICF Portugal, o chapter português da International Coaching Federation (ICF). A ICF é uma organização de coaches profissionais com cerca de 32 mil membros a nível mundial, 26.800 dos quais credenciados, com membros distribuídos por 140 países, que trabalham em prol do objetivo comum de aumentar a consciência sobre o coaching, mantendo a integridade da profissão e formando-se continuamente com as mais recentes práticas e investigação.

A organização assumiu o desenvolvimento de uma definição e de uma filosofia de coaching e o estabelecimento de padrões éticos entre os seus membros. Através do Código de Ética, do Processo de Revisão de Conduta Ética, do Processo de Reclamação de Programas e da Administração de Revisão Independente (IRB), define normas de coaching profissional e oferece também aos consumidores um local para registarem reclamações éticas sobre membros da ICF, credenciados pela ICF ou certificados por programas de formação acreditados pela ICF.

A ICF Portugal foi criada em 2007 com o objetivo de promover a prática profissional de coaching no nosso país, de acordo com as normas internacionais da ICF. Conta com 179 membros (dados de dezembro de 2019).

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