As empresas dedicam recursos significativos na atração e retenção de talento, com o objetivo de selecionar e reter as pessoas com as competências, os conhecimentos e a experiência que impulsionem o cumprimento dos objetivos estratégicos.
Texto: Madalena Duarte Ferreira/ Rui Andrade
People Analytics consiste na integração e na análise de diversas fontes de dados sobre as pessoas, internas e externas à organização, para responder e agir sobre questões relacionadas com o talento, no sentido de aumentar o ROI (return on investment) do capital humano.
A estratégia People Analytics deve estar alinhada com os objetivos estratégicos e permitir a realização de diversas análises, incluindo análises preditivas. Desta forma, a função Recursos Humanos (RH), tradicionalmente reativa, passa a ser também prospetiva, capaz de planeamento estratégico e de construção de cenários para apoiar a tomada de decisão e aumentar o desempenho organizacional.
Torna-se possível sinalizar padrões de comportamento de colaboradores com intenção de saída, conhecendo o que os (des)motiva ou prever a probabilidade de sucesso dos jovens talentos. Muitas necessidades analíticas podem ser respondidas com os dados existentes na organização, sem requerer investimentos em tecnologia ou análises estatísticas complexas, sendo primeiramente uma questão de mindset de recolha sistemática de informação que permita uma sólida base para as análises.
É, no entanto, fundamental que este mindset contemple a outra face da moeda: a proteção dos dados pessoais.
A obtenção, o tratamento, a utilização e a circulação de dados pessoais têm hoje, mais do que nunca, de conformar-se com princípios e normas ético-jurídicas que vieram regular e proteger os dados pessoais, tanto no sector público como no privado.
Desde o tão falado RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados, Regulamento (UE) 2016/679, de 27.04 – e da Lei 58/2019, de 08.08 (que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do RGPD), ao Código do Trabalho, sem esquecer a Constituição da República Portuguesa, são vários os diplomas legais que disponibilizam um quadro ético-normativo da proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento (em sentido lato) de dados pessoais.
Assumem especial importância na atuação RH as disposições específicas do Código do Trabalho relativas à tutela dos direitos de personalidade, as quais são expressão da tutela constitucional e civilística dos direitos de personalidade do colaborador no quadro da relação laboral, com especial destaque para o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 16), e para a proteção de dados pessoais dos colaboradores e candidatos, (artigo 17), aplicáveis também às relações laborais públicas, por força da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 4/1 b).
A subordinação jurídica caracterizadora da relação laboral, quando confrontada com a utilização de Analytics, e o inerente tratamento de dados pessoais deve adequar-se às exigências da proteção de dados, assumindo particular relevância os princípios da necessidade, da adequação, da finalidade e da proporcionalidade, da transparência e da boa-fé, bem como os direitos de informação, acesso (em qualquer momento) e oposição do titular dos dados, seja um colaborador ou um candidato.
É, em consequência, incontornável a necessidade de garantir o justo equilíbrio entre a tutela da esfera jurídica do colaborador e o princípio da liberdade de gestão empresarial e organização dos meios de produção que visem a promoção do desenvolvimento da empresa (e o referido ROI em capital humano) e, especificamente, conciliar estes princípios com os direitos fundamentais da reserva da intimidade da vida privada e da proteção de dados pessoais.
Nota: KPI, key performance indicators
»»»» Madalena Duarte Ferreira é consultora na SHL Portugal; Rui Andrade é sócio responsável pela área de Laboral e sócio da área de Contencioso & Arbitragem da Vieira de Almeida (VdA)