Como a Inteligência Artificial afetará as empresas e os seu colaboradores, é a pergunta de um milhão de dólares, de acordo com Raffaella Sadun, professora de Harvard Business School, numa entrevista dada à Harvard Business Review em 2023, acerca do seu artigo «Reskilling in the Age of AI» (Jorge Tamayo, Leila Doumi, Sagar Goel, Orsolya Kovács-Ondrejkovic e Raffaella Sadun, outubro de 2023).
Texto: Paula Calmeiro/ Marina Costa Cabral
.
Segundo Raffaella Sadun, a resposta dependerá de como a organização relaciona as novas tecnologias com uma ampla visão corporativa e com o crescimento individual dos seus colaboradores. Esta relação é fundamental, para que possam surgir novas oportunidades para todos ao invés de se pensar na eliminação de postos de trabalho. Se ter nas equipas profissionais com os conhecimentos essenciais para lidarem com as novas ferramentas é fundamental, não menos necessário é ter profissionais com perfil ágil e que facilmente se adaptem às novas exigências deste mundo mais digital.
Também a SHL Portugal, no seu white paper sobre «Competências para o Futuro do trabalho em Portugal» (Rego, C., Lopes, S. A., Henriques, P. L., Fragoso, A. O., Gonçalves, C., Português, J., 2023), em parceria com o ISEG, HR Ahead Project e a VdA, identificou um conjunto de competências que as organizações procuram para o futuro. Neste estudo, relacionar-se e trabalhar em rede e criar e inovar, são assinaladas como competências que se prevê virem a assumir elevada importância, antecipando assim mudanças e a necessidade de serem desenvolvidas para uma adaptação eficaz às exigências do futuro.
Por este motivo, repensar as carreiras a requalificar, apresenta-se como um imperativo estratégico, não só da responsabilidade das áreas de Recursos Humanos, mas também das gestões de topo e de cada líder e gestor. Para tal, é fulcral conhecer as competências que já existem na equipa e as que têm de ser desenvolvidas. A implementação de assessments fornece uma ajuda preciosa, na medida em que permite o mapeamento das competências, reconhecendo os talentos e o seu potencial para se adaptarem às novas funções e à organização no seu todo. Ao serem identificados os pontos fortes e áreas de melhoria de cada colaborador, é possível determinar o que necessita de ser desenvolvido. Posteriormente, o upskilling ou reskilling assumem um fator crítico neste processo, através de programas de formação ou de coaching para apoiar os colaboradores a redefinirem os seus objetivos e conseguirem uma melhor adaptação ao solicitado. Se a formação permite colmatar lacunas específicas relacionadas com as novas capacidades requeridas, o coaching, de forma sustentada, envolve diretamente o colaborador no processo de mudança, avaliando as suas necessidades e permitindo que ele próprio construa o caminho que tem de ser feito e se adapte com mais facilidade.
De uma perspetiva jurídica, a era digital traz consigo, igualmente, uma miríade de desafios que não podem ser ignorados. Desde logo, com a última alteração ao Código do Trabalho, passou a ser obrigatória a prestação de informação aos trabalhadores acerca dos parâmetros, critérios, regras e instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetem a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional.
No entanto, é muito importante que o recurso a estas ferramentas garanta que padrões históricos de discriminação, por exemplo, contra as mulheres, certos grupos etários, pessoas com deficiência ou pessoas de uma determinada origem racial ou étnica ou orientação sexual não sejam perpetuados, na medida em que a legislação – fundamental e laboral – proíbe expressamente este tipo de discriminação. Neste sentido, quando estes mecanismos forem utilizados na gestão de carreira dos trabalhadores, os mesmos devem ser transparentes e explicáveis, assim como se verifica ser fulcral que os mesmos não se encontrem enviesados por forma a garantir que medidas discriminatórias não sejam adotadas.
Embora sejam inegáveis os aspetos positivos do recurso a sistemas desta natureza, é também fundamental que os mesmos tenham em consideração os direitos dos trabalhadores no que concerne a proteção de dados pessoais e privacidade. Sendo uma matéria amplamente regulada (cf. Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais), as empresas que recorrerem aos sistemas de inteligência artificial na gestão dos seus recursos humanos terão a necessidade de interagir com dados pessoais sensíveis dos seus trabalhadores (ou potenciais trabalhadores) e, por conseguinte, deverão ter em consideração especial cuidado na forma como os recolhem, tratam e armazenam.
Não obstante a era digital – sobretudo questões relacionadas com inteligência artificial –, estar na ordem do dia e proliferarem diariamente considerações sobre os impactos da mesma no nosso quotidiano, a verdade é que, apenas em fevereiro do presente ano, foi aprovado o Regulamento de Inteligência Artificial, precisamente com vista a colmatar os riscos de manipulação e violação de direitos fundamentais e tornar a inteligência artificial num mecanismo transparente e responsável. Este Regulamento veio introduzir, naturalmente, mais desafios, nomeadamente em termos de compliance, e trará certamente oportunidades interessantes para as organizações neste campo nos próximos dois anos (período de implementação total das regras do Regulamento).
.
»»»» Paula Calmeiro é head of recruitment da SHL Portugal; Marina Costa Cabral é senior associate da Vieira de Almeida (VdA)