Esta é a primeira parte de uma entrevista com Carla Rocha, que recentemente publicou o seu terceiro livro, «Fale para Ser Ouvido», que tem a chancela editorial da Planeta. Nos próximos dias publicaremos as duas partes restantes. Carla Rocha é uma das vozes mais conhecidas da rádio em Portugal e ao mesmo tempo uma referência em comunicação no mundo corporativo.
Texto: Redação «human» Fotos: Fernando Piçarra
Depois de publicar dois livros que tocam muito o tema da comunicação, como surgiu este «Fale para Ser Ouvido»?
Este livro esteve algum tempo na minha cabeça, antes de finalmente me sentar para o escrever. Como aconteceu com os livros anteriores, os primeiros esboços saíram das salas de formação, das conversas com formandos e outros formadores. Os livros partem muito da realidade que observo nas empresas (apesar das estratégias de comunicação que apresento poderem ser aplicadas noutros contextos, não só no corporativo). No caso do «Fale para Ser Ouvido», parte de tudo isto, sim, mas parte muito também do estado do mundo. Quando comecei a escrever as primeiras linhas, o meu propósito era claro: incentivar cada pessoa a usar a sua voz, mas (isto é fundamental) com consciência, com o intuito de acrescentar em vez de dividir e com um respeito profundo pelo outro. Usar a nossa voz é um direito e um dever. Há muito à nossa volta a precisar de mudança. Na sociedade e nas organizações, precisamos de estar todos envolvidos. Precisamos de ser solução e ação, e para isso precisamos de intervir mais. O que acontece (e muitos de nós sentem isso) é que hoje em dia há demasiado ruído, demasiadas opiniões espalhadas de forma menos refletida e mais polarizada. Boa parte deste livro foi escrito numa situação nova e desafiante para todos (a pandemia de Covid-19), onde muitas vozes se ouviram – e onde, mais do que nunca a nível global, foram necessárias vozes capazes de esclarecer e sensibilizar, mas também de unir, amparar e cuidar.
Se olharmos para os títulos dos seus livros, nota-se imediatamente as ideias de comunicar, no primeiro, e de influenciar, no segundo. E agora a ideia de ser ouvido, no terceiro. Há aqui uma lógica no seu projeto de escrita? E ser ouvido, vai mais além de influenciar?
Quando influenciamos, estamos a persuadir num determinado sentido, a motivar para ações concretas. Quando somos ouvidos (ou quando verdadeiramente ouvimos), estamos a criar uma conexão mais profunda uns com os outros, ao nível do entendimento mútuo. Ser ouvido é ser compreendido e respeitado, independentemente de estarmos de acordo e de partilharmos as mesmas perspetivas ou motivações. Escrever um livro com este foco em ser ouvido (depois do «Fale Menos Comunique Mais» e do «Fale Menos Influencie Mais») acabou por ser uma evolução natural do meu próprio processo como investigadora, como formadora e também como observadora, porque estou em contacto com muitas empresas, com líderes e equipas e percebo os desafios que todos vão sentindo num mundo que vive mudanças aceleradas e que exigem adaptação permanente. Isso reflete-se naturalmente nas abordagens que faço nos livros. E sim, acaba por funcionar de forma lógica, mas a verdade é que quando escrevi o primeiro livro, não projetei logo um segundo, nem um terceiro (e nem um quarto).
Há um estudo recente no âmbito do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos que mostra que quase metade dos portugueses só entende frases curtas. Compreende esta realidade e tem-na encontrado nas empresas?
Penso que há aqui duas questões, e este estudo remete-nos muito para uma delas, que é a literacia. Depois há outra questão, que está relacionada com a clareza das mensagens. Ainda vivemos na era dos textos complexos, densos e longos, com linguagem demasiado elaborada e por vezes muito específica. Comunicar é ir ao encontro da outra pessoa. Não vamos ao encontro de ninguém se a nossa mensagem não é recebida da mesma forma que a queremos transmitir. Nas empresas falamos muito sobre esta questão, como simplificar as mensagens e adaptá-las aos diferentes públicos, e isto passa pela estrutura, pela forma e também pela linguagem. Tudo isto contribuiu para mensagens mais claras e, com isso, mais eficazes. Há outro dado que não tem a ver com este estudo, mas que pode ser interessante referir e que tem a ver com a capacidade de foco. Hoje em dia há uma grande dispersão da atenção (notificações, e-mails que chegam, telefonemas, mil atividades que entram nas nossas rotinas). As pessoas ficam em média 45 segundos concentradas. Isto reforça a importância da clareza (e da simplicidade e da brevidade).
«Quando influenciamos, estamos a persuadir num determinado sentido, a motivar para ações concretas. Quando somos ouvidos (ou quando verdadeiramente ouvimos), estamos a criar uma conexão mais profunda uns com os outros, ao nível do entendimento mútuo. Ser ouvido é ser compreendido e respeitado, independentemente de estarmos de acordo e de partilharmos as mesmas perspetivas ou motivações.»

O estudo aponta mais para a questão da compreensão de textos, não tanto para a comunicação oral. Nas soluções que aponta no seu novo livro, há uma diferença significativa entre os dois tipos de comunicação?
Há diferenças, sim, mas os princípios para uma comunicação eficaz (escrita ou falada) são comuns. Na comunicação oral, além da mensagem, a voz (o tom e a dinâmica, por exemplo) e os gestos (se estivermos em presença da outra pessoa) são um bom complemento ao que queremos transmitir. Além disso, como a interação é quase sempre no momento (vídeos gravados são uma exceção), podemos ajustar a mensagem conforme a reação da pessoa com quem estamos a falar. Podemos esclarecer, retificar, voltar atrás. Na comunicação escrita não há tom, não há expressão nem linguagem corporal, e não conseguimos perceber no imediato como a mensagem é recebida. Isto deve levar-nos a sermos ainda mais exigentes quando estamos a escrever, de forma a evitar dúvidas ou mal-entendidos. Mas num e noutro tipo de comunicação é fundamental apostar nestes pilares: uma boa estrutura, ideias claras e linguagem acessível.
Pensando no mundo das empresas, pode dar algumas dicas que considere fundamentais na comunicação escrita?
Em primeiro lugar, é importante identificar o objetivo da comunicação. Qual é a mensagem que quero transmitir e para quem? Qual é a complexidade da informação? Temos vários canais de comunicação à disposição e nem sempre um e-mail ou uma mensagem escrita, por exemplo, são os mais adequados. Um telefonema para esclarecer um assunto ou um vídeo para apresentar um novo projeto podem ser canais mais diretos e eficazes. Mas se considerarmos, então, a comunicação escrita, devemos garantir que a informação que partilhamos é a mais relevante para a audiência e orientada para a ação. Um e-mail, por exemplo, deve deixar desde logo claro qual é o objetivo, deve ser curto, conter apenas informação essencial (importante separar o essencial do acessório), visualmente fácil de ler (com parágrafos e por pontos, se se justificar), e no final devemos relembrar o que pretendemos que aconteça a partir daí, para que seja eficaz. É importante lembrar que quanto mais longo e compacto for o e-mail, maior é a probabilidade de não ser lido com atenção ou até ao fim.
E quando se trata de falar?
O principal conselho que posso dar é para ouvirmos mais quem temos à nossa frente. O meu livro chama-se «Fale para Ser Ouvido» e tem este duplo sentido: nós queremos ser ouvidos e os outros também querem ser ouvidos. Então um ponto crucial quando estamos a falar é ouvir o outro, colocá-lo no centro. Numa conversa, por exemplo, por vezes ficamos só à espera da nossa vez para falarmos e apresentarmos os nossos argumentos. Podemos ser mais curiosos, fazer mais perguntas, mostrar interesse em compreender outros pontos de vista. Perceber com quem estamos a falar, ou para quem vamos falar, também faz toda a diferença quando temos, por exemplo, uma apresentação à equipa ou a um cliente. Devemos dedicar algum tempo a conhecer a nossa audiência. Nestas situações, além de organizar as ideias essenciais e adequar a voz e a postura à mensagem que queremos transmitir, mostrar vulnerabilidade ou revelar mais de nós ajuda-nos a criar pontes com quem nos está a ouvir.
«Se cada pessoa que ler este livro conseguir aplicar pelo menos uma aprendizagem ou estratégia no seu local de trabalho ou na sua vida pessoal, se contribuir para que uma apresentação seja brilhante, para que numa reunião consiga manifestar a sua opinião com assertividade ou para que uma conversa em casa com os filhos seja mais produtiva, já vale a pena.»

Nota-se no seu livro uma estruturação muito cuidada, tornando-o de fácil apreensão. Como trabalhou no processo de escrita?
Demorei cerca de três anos a escrever este livro. Foi o tempo que precisei para reunir e processar a informação e o conhecimento que fui adquirindo nos últimos anos. Tenho por hábito registar conversas e episódios, ou as lições que retiro deles e posso usar para enriquecer formações, palestras ou artigos sobre comunicação. Numa primeira fase o trabalho passou por rever essas impressões e esses materiais. A partir daí desenhei o primeiro esqueleto e fui engrossando cada capítulo com conteúdos, com exercícios que cada pessoa pode fazer, com exemplos com aplicação prática em diferentes contextos e realidades. Também com histórias, umas mais pessoais, outras de pessoas que gentilmente as partilharam comigo. Gosto de criar estas dinâmicas dentro de cada tema e por isso o livro tem vários capítulos e subcapítulos (e gosto e divirto-me a encontrar nomes para cada um deles). Foi um trabalho de grande proximidade com a minha editora, a Sofia Monteiro, da Planeta. Muitos telefonemas e e-mails trocados, e o que temos hoje está longe do esqueleto inicial. Noutra fase dei o livro a ler a um núcleo de pessoas que trabalham comigo, e que me deram também as suas sugestões. Há uma fase inicial mais solitária, mas depois saber pedir feedback e saber incorporá-lo é fundamental.
Que espectativas tem sobre as mensagens que está a passar aos leitores do livro?
Se cada pessoa que ler este livro conseguir aplicar pelo menos uma aprendizagem ou estratégia no seu local de trabalho ou na sua vida pessoal, se contribuir para que uma apresentação seja brilhante, para que numa reunião consiga manifestar a sua opinião com assertividade ou para que uma conversa em casa com os filhos seja mais produtiva, já vale a pena. Mas acredito que posso levar a uma reflexão mais profunda, em cada leitor, sobre este direito e este dever que temos, de usar a nossa voz – para termos mais consciência de como estamos a comunicar e o impacto que as nossas palavras têm nas pessoas à nossa volta, no seu bem-estar e na forma como se vão ligar a nós.
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A AUTORA
Carla Rocha é uma referência na formação em comunicação e storytelling, após uma década como consultora, formadora e empresária. A sua voz é uma das mais conhecidas do país, graças a um percurso de 30 anos como locutora no Grupo Renascença, e a inúmeras campanhas de publicidade. Ao longo de anos, adquiriu formação internacional em diferentes áreas da comunicação e da liderança. Integra a National Speakers Association (Estados Unidos) e tornou-se consultora e formadora em empresas e organizações portuguesas e estrangeiras. A par disso, é professora convidada na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e na Egas Moniz School of Health & Science. Colabora também com a Universidade Católica Portuguesa.
Em 2015, a empreendedora fundou a empresa Carla Rocha Comunicação, especializada em formação e treino de líderes e de equipas, nas áreas da comunicação e da liderança. «Quando comecei era só eu», recorda, para logo assinalar. «Hoje somos 10 pessoas a trabalhar em permanência na empresa e cerca de duas dezenas de formadores e parceiros que se juntam a nós nas academias, nas sessões de formação e nos cursos on-line. Crescemos em pessoas e crescemos na forma como fazemos chegar o nosso propósito aos clientes com que trabalhamos.» É longa a lista de líderes e equipas – nacionais e internacionais – que confiam neste trabalho para transformar a forma como comunicam, resultando em melhorias nas relações e na produtividade. Além das academias «Fale Menos, Comunique Mais» e «Fale Menos, Influencie Mais», a oferta formativa da Carla Rocha Comunicação inclui módulos como Liderança Consciente e Inspiradora, Alinhamento de Equipa, Produtividade e Colaboração, O Poder da Comunicação Intergeracional, Brand Yourself, Estratégias Diferenciadoras de Marca Pessoal, Imagem com Propósito: a imagem como ferramenta de comunicação não verbal e ainda O Poder da Voz – comunique com impacto.
Carla Rocha é autora dos livros «Fale Menos, Comunique Mais» (2016, com relançamento em 2023), «Fale Menos, Influencie Mais» (2019) e «Fale para Ser Ouvido» (2024).
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O LIVRO
Com a chancela da Planeta, «Fale para Ser Ouvido», de Carla Rocha, mostra como num mundo demasiado ruidoso cada pessoa pode fazer ouvir a sua voz.
A editora apresenta assim o livro: «Falar ou calar? A escolha é sua, mas quando fala deve pensar, organizar as suas ideias e preparar-se, porque só assim será realmente ouvido e alcançará os seus objetivos./ Todos nós estamos em constante interação com os outros, mas será a nossa comunicação eficaz? Somos ouvidos? Conseguimos alcançar os nossos objetivos?/ Quando falamos há questões que devemos colocar e decisões a tomar. Que tipo de comunicador sou? Agressivo ou permissivo? Que tipo de mensagem quero passar? Positiva, motivadora? Quem é a minha audiência? Fiz as perguntas certas para conhecer quem me está a ouvir? Coloquei-as no centro da conversa? Que opiniões devo escutar e quais as que devo ignorar? Quando devo lutar por um argumento e quando devo desistir?/ Carla Rocha, apresentadora de rádio, oradora Ted Talks e consultora de comunicação, reúne neste livro − que irá transformar as suas relações pessoais e profissionais − técnicas e estratégicas que o vão tornar um comunicador eficaz. Habituada a treinar CEOs [chief executive officers], empresários, atletas e outros profissionais, Carla Rocha ensina a tornar as suas conversas mais claras, as reuniões mais assertivas e os seus discursos mais empáticos./ Ensina a comunicar com conta, peso, medida e com intenção. E dá acesso exclusivo ao Método Rocha, onde desvenda todos os segredos de uma das técnicas mais poderosas de comunicação: o storytelling. Porque no fundo todos temos uma história para contar. Só precisamos de saber como contá-la de forma mais eficaz.»
https://www.planetadelivros.pt/livro-fale-para-ser-ouvido/411295
