IA e gestão de talento

Um kit de sobrevivência?

Texto: David Carvalho Martins Imagens: Freepik

A IA tem um enorme potencial transformador, mas a sua utilização exige cautela.

Em primeiro lugar, a utilização de IA não deve ocorrer sem supervisão ou alimentação adequadas. Tem um potencial incrível, mas traz consigo colossais desafios em relação à confiabilidade e à fiabilidade das informações, à proteção de dados e à defesa da propriedade intelectual.

Em segundo lugar, a integração crescente da IA em diversas áreas de atividade suscita preocupações legítimas sobre a potencial eliminação de postos de trabalho. Ao assumir tarefas anteriormente desempenhadas por pessoas, desde operações simples de linha de montagem até funções complexas na medicina e no ensino, o receio de uma substituição integral torna-se tangível. Por conseguinte, a automatização promete eficiência e precisão incomparáveis, bem como a redução ou eliminação de tarefas monótonas ou repetitivas; porém, levanta a questão do que restará para o trabalho humano numa economia cada vez mais dominada pela IA.

Neste cenário, é crucial refletir sobre o espaço que deve ser reservado às pessoas. De facto, existem competências exclusivamente humanas que, até agora, resistem à automatização total, como a criatividade, a empatia e a capacidade de julgamento crítico. Nesse sentido, devemos investir na formação contínua para (i) garantir que os trabalhadores podem adaptar-se, (ii) mitigar o impacto da IA e (iii) assegurar que a IA ajuda, complementa, contribui, mas não substitui a contribuição humana.

Devemos, também, averiguar qual é a área de intervenção da lei e, eventualmente, de uma autoridade de supervisão. Em regra, a lei chega sempre tarde à realidade. Com a IA não é diferente. Aliás, esta apenas agrava o atraso. Por seu lado, atendendo às características da IA, seria porventura necessário delinear uma autoridade de supervisão global, omnisciente, omnipresente e omnipotente. A existir, só seria concretizável, também, com recurso à IA. Quem guarda o guarda?

No entanto, o medo não nos deve paralisar, nem impedir de usar a IA, pelo menos para tarefas auxiliares, monótonas ou repetitivas. Ignorar não é uma escolha sensata. Combater não é uma opção. Acolher de modo informado, diligente, proativo e zeloso é, por agora, o melhor caminho.

Assim, tomamos a liberdade de sugerir o seguinte kit de sobrevivência:

1. Criar uma política de utilização segura e recomendada de aplicações de IA;

2. Restringir o uso de IA apenas às aplicações fiáveis, adequadas e necessárias ao trabalho, que cumpram os padrões de referência de proteção de dados;

3. Delimitar os dados que podem ser trabalhados com recurso à IA, excluindo naturalmente os que têm natureza confidencial ou sensível;

4. Verificar se os serviços prestados por consultores e fornecedores são assegurados por IA, em que medida tratam dados confidenciais ou sensíveis e se respeita as melhores práticas;

5. Promover a transparência com os clientes: estes devem saber quais são os serviços exclusivamente prestados por aplicações de IA, em comparação com aqueles que são assegurados «por pessoas de carne e osso»;

6. Desconfiar para confiar, ou seja, promover a verificação constante das fontes consultadas, bem como das citações e frases utilizadas pelas aplicações de IA;

7. Dar formação aos trabalhadores sobre a utilização de IA (por exemplo, em que medida e como podem usar a IA no desempenho das suas funções, quais são os riscos e as oportunidades, como devem colocar questões e alimentar, ou não, a IA);

8. Assegurar flexibilidade e abertura para receber críticas e sugestões dos trabalhadores, bem como de parceiros ou fornecedores;

9. Articular o uso da IA com as melhores práticas e deveres de cuidado associados à cibersegurança;

10. Confirmar, rever, adaptar, corrigir, eliminar ou substituir as propostas anteriores de forma periódica e diligente.

Estes são os nossos princípios, mas se não forem bons, resta-nos trabalhar em conjunto e diariamente para encontrar outros melhores. Ao contrário de Groucho Marx, por agora, não temos outros.



David Carvalho Martins
, Sócio Fundador e Administrador da DCM | Littler


DCM | Littler

Com uma equipa jovem, dinâmica e informal dedicada maioritariamente a direito do trabalho, bem como a direito da proteção de dados e a direito intelectual relacionado com organizações laborais, a DCM | Littler presta assessoria a empregadores e trabalhadores, nacionais e estrangeiros, nos diversos sectores de atividade (público e privado) e em todas as áreas laborais (por exemplo, contratação, negociação coletiva, transmissões de unidade económica, restruturações e despedimentos). Combina a experiência prática com abordagens teóricas que atendem às respostas dadas por tribunais nacionais e estrangeiros. Presta conselhos práticos, personalizados, preventivos, não reativos, e apoia os clientes em todos os litígios.

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