Pobreza e utopia

Texto: Amândio da Fonseca Foto: DR

Os resultados do survey do Instituto Nacional de Estatística (INE) «Condições de Vida e Rendimentos em Portugal» indicam que, em 2022, 17% dos trabalhadores portugueses viviam em risco de pobreza e exclusão social. Em 2024, a maioria dos in-work poverty continua a ter salários inferiores, ou pouco acima, do salário mínimo, a viver em casas sobrelotadas e habitações degradadas.

Hoje, como então, os bairros sociais continuam a albergar núcleos heterogéneos de jovens e pessoas adultas, com baixas qualificações escolares, trabalhos precários, em tempo parcial ou autoemprego. Nestas «colmeias humanas» os habitantes defrontam problemas de adaptação a comunidades onde, para além de hábitos, culturas, crenças ou línguas diferentes, a violência, a droga e o racismo tornam os polícias um alvo apetecível do rancor coletivo.

Em Portugal, os sinais de mal-estar social, nos bairros periféricos, não são fenómenos desconhecidos nem recentes. Periodicamente, os media noticiam sinais de uma paz podre, pontuada de conflitos raciais, rusgas policiais, arrastões em praias ou lutas entre grupos rivais que, aliados aos rumores das dificuldades da polícia de atuar em zonas sensíveis, têm criado, na opinião pública, o receio do contágio das manifestações violentas nas avenidas de grandes cidades europeias.

No entanto, foi com alguma surpresa que, nas últimas semanas de outubro, os portugueses foram confrontados com a fúria de grupos de encapuçados que invadiram ruas, lançaram cocktais Molotov, queimaram mobiliário urbano, incendiaram dezenas de automóveis e feriram gravemente o motorista de um dos autocarros destruídos.

A revolta dos habitantes dos bairros desfavorecidos, que rodeiam as grandes metrópoles, tornou-se um problema mundial, para o qual nenhum governo foi capaz de encontrar soluções diferentes da repressão policial violenta. Os problemas da pobreza têm sido, desde o século XVIII, objeto de reflexão de filósofos e pensadores com o objetivo de identificar as causas e soluções para erradicar esse estigma.

No século XX, Margaret Tatcher, a Dama de Ferro, que durante 11 anos governou a Grã-Bretanha, optou por uma política de recuperação da economia britânica, através do sistemático empobrecimento da classe trabalhadora alegando que as causas da pobreza das pessoas e dos países não podem ser imputadas aos governos por resultarem da falta de carácter e de comportamentos nocivos das próprias vítimas da pobreza.

O livro «Utopia para Realistas», publicado em 2017, foi um bestseller mundial e Rutger Bregman, um premiado pensador e filósofo holandês, nascido em 1988, tornou-se uma celebridade por defender que, ao contrário do que Tatcher tinha afirmado, «a pobreza não resulta de falta de carácter, mas sim da falta de dinheiro dos pobres» e que «os problema da pobreza só serão resolvidos quando todas as pessoas, para além de passarem a ter direito a um rendimento básico universal (RBU), viverem num mundo onde cada pessoa só necessite de trabalhar 15 horas por semana e possa circular sem qualquer tipo de limitações nem fronteiras».

Embora o RBU continue a ser acusado de falta de eficácia, muitos especialistas consideram, hoje, que irá constituir, nas próximas décadas, a solução para o desemprego de incontáveis milhares de trabalhadores, causado pelas políticas de automação.



Amândio da Fonseca
, Presidente do Grupo Egor


Grupo Egor

O Grupo Egor, de capitais portugueses, atua desde 1986 nas áreas da consultoria de gestão de recursos humanos. Efetuou recentemente um rebranding da marca Egor e criou duas novas marcas: The Bridge, especializada em trabalho temporário, e Synchro, dedicada a outsourcing. A marca Egor mantem a titularidade das áreas de recrutamento, formação e desenvolvimento e consultoria.

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